"Como dois e dois são quatro/Sei que a vida vale a pena/Embora o pão seja caro/E a liberdade pequena" (Ferreira Gullar)
Landro Oviedo
"Somente buscando palavras é que se encontram pensamentos" (Joseph Joubert)
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Textos
     A REALIDADE PARALELA DE LUPÉRCIO ANDRADE

     Lupércio Andrade acreditava piamente que seu arcabouço mental podia reinventar a realidade para suprimir dimensões indesejadas. Assim, não era raro que, estando ou não com um problema, usava um artifício que lhe permitia contentar-se com seu momento, com seu instante de vida. Tudo para ele era possível porque havia uma negociação constante com forças invisíveis ou mesmo com um artífice superior com o qual regateava para ser atendido. A gratuidade das concessões o faziam grato e sempre pronto para conformar-se.
  Assim é que, se Lupércio fraturasse um braço, imediatamente imaginava que o tivera amputado e, depois de uma intensa negociação com o impoderável, acabava por se sentir contente por estar com o seu membro superior apenas fraturado. Estava no lucro e não tinha do que se queixar. Se olhava sua mulher ao seu lado, saudável, vivaz, carinhosa, agradecia porque ela tivera uma doença incurável e havia morrido, mas agora ela tinha voltado à vida sã e salva. Se fizera uma aposta na loteria e nada ganhara, agradecia à Divina Providência por ter evitado o sequestro de seus filhos, coisa que a que todo bilionário está sujeito. A mente de Lupércio o inseria em situações imaginárias e reais da quais tinha o manejo e isso fazia a ele toda a diferença. 
     Dessa forma, Lupércio tinha a comodidade de viver o que vivia e de viver o que não vivera, mas que também fora vivido. O seu pretérito mais que perfeito do indicativo se confundia com o mais que perfeito do subjuntivo, oscilando entre a certeza e a ocorrência hipotética dos fatos. Ele era sua própria assertiva e seu cogito cartesiano se imprimia em tábula rasa domesticando o impossível com o aço artesanal da imaginação.
     Munido da prestidigitação prodigiosa que inundava seu cérebro divagante, Lupércio era um mortal com um trunfo poderoso. Ele sabia que, em derradeiro, teria o condão de escolher o momento mais conveniente para sua morte. Precisava de uma compensação real para tanto, uma vez que não poderia esticar a vida muito além das possibilidades humanas. Mas, se não a tivesse, poderia optar por continuar vivendo. Não é seguro dizer que não escolheu isso no passado. Talvez já tenha morrido e voltado à vida porque ainda não se esgotaram as negociações. Mesmo o mais reles dos conformistas pode acalentar uma pitada secreta de rebeldia.
Landro Oviedo
Enviado por Landro Oviedo em 17/07/2019
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